No dia 26 de junho de 2024 o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do judiciário brasileiro, finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário 635.659/SP após 9 anos de seu início. Por 6 votos a 3, o STF descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal e fixou a quantia de 40 gramas para diferenciar usuários de traficantes.
A decisão não representa que o ato de consumir a planta passou a ser legal. Na realidade o porte para consumo pessoal continua sendo considerado um comportamento ilícito, entretanto as consequências passaram a ter natureza administrativa ao invés de criminal.
Ou seja, não comete nenhuma infração penal passível de prisão aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de maconha para uso pessoal. Antes da decisão da corte usuários poderiam ser alvos de inquérito policial e processos judiciais para a sua condenação. Agora as penas são somente administrativas como o comparecimento a cursos educativos.
No entanto isso não significa que a posse de quantidade inferior a estabelecida não possa representar o crime de tráfico. Outros elementos ainda podem ser responsáveis por configurar o ato como comércio ilegal como por exemplo presença de balança de precisão, registros de vendas e outros indícios de comercialização.
É importante frisar que essa resolução não impede abordagens policiais, nem que pessoas portando maconha sejam levadas à delegacia. Nestes casos caberá ao delegado presente pesar a substância encontrada e a constatar se a conduta de fato pode ser enquadrada como posse para uso próprio.
Caminho até o julgamento
O conjunto de leis referente às drogas em exercício no Brasil foi promulgada em 2006 pelo então presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva e “Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.”
A Lei n° 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, atualizou as normas em relação ao tema após 30 anos e em teoria eliminou a pena de prisão para o uso de drogas, ao mesmo tempo em que aumentou o tempo mínimo de prisão para o tráfico.
Contudo, apesar de na época parecer uma medida progressista com objetivo de deslocar usuários do sistema criminal para o sistema de saúde, a aplicação desse novo dispositivo legal trouxe como principal implicação a intensificação massiva da criminalização de indivíduos por tráfico de drogas de forma desproporcional a períodos anteriores. Segundo especialistas, tal fato, pode ser explicado pela ausência de critérios objetivos para fins de distinção entre as duas condutas¹.
A consequência de uma política pública de combate, punição e encarceramento para lidar com a questão das drogas apresenta resultados quantitativamente nefastos, principalmente sobre pessoas negras, maior parte da população brasileira, as quais são encarceradas portando quantidades ínfimas de drogas sob acusação de tráfico, sendo expostas a maior incidência de violência física e tortura em abordagens policiais².
Com isso em vista, o Superior Tribunal Federal julgou o recurso extraordinário, com seus ministros inclusive utilizando pesquisas que demonstram a consequência negativa da guerra às drogas. Entretanto mesmo com a decisão da suprema corte, quantidades inferiores ainda podem caracterizar o crime de tráfico, já que outros possíveis indícios e até mesmo a palavra do policial, delegado e do juiz têm grande peso na decisão.
O que de fato irá mudar?
Os efeitos práticos da decisão ainda são difíceis de compreender. É necessário mais tempo para que sejam amplamente reconhecidos e estudados. O ministro e presidente do STF Luís Roberto Barroso afirmou após o julgamento que o parecer pode retroagir para pessoas já condenadas na justiça que portavam quantias abaixo da estabelecida e sem ligações com o tráfico, no entanto ainda não existem registros nesse sentido.
Não é possível afirmar que usuários deixarão de ser criminalizados, de sofrer abusos por parte das autoridades policiais ou mesmo que os esforços serão direcionados a combater o comércio propriamente. Certo é que este acontecimento já abriu campo para a discussão sair do judiciário e chegar no público geral.
O que podemos definir como um impacto já visível é que alguns casos Brasil afora estão sendo resolvidos com base no direcionamento dado pelo Supremo Tribunal Federal. No mais, mesmo não tendo resolvido a problemática em torno da Lei de Drogas, certamente abriu campo para o debate público e civil acerca do tema, podendo assim ser um marco relevante na luta pela descriminalização, regulamentação e legalização da maconha e demais drogas.
Referências Bibliográficas:
Entenda a decisão do STF sobre descriminalização do porte de maconha. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-06/entenda-decisao-do-stf-sobre-descriminalizacao-do-porte-de-maconha>. Acesso em: 5 set. 2024.
¹ CAMPOS, Marcelo da Silveira. O novo nem sempre vem: lei de drogas e encarceramento no Brasil. 2018.
² DUARTE, Evandro Piza; DA SILVA FREITAS, Felipe. Corpos negros sob a perseguição do estado: política de drogas, racismo e direitos humanos no Brasil. Direito Público, v. 16, n. 89, 2019.